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domingo, 27 de maio de 2012

Dicas de Leitura por: Sandra Rocha.



Minha amiga, incentivadora e revisora, professora Sandra Rocha contribuiu para esse modesto blog com uma linda indicação de leitura, trata-se nada mais nada menos que Clarice Lispector. Sandra é uma eterna admiradora e conhecedora das obras da escritora, sempre quando menciona os textos e livros de Clarice, fica emocionada, contente. Parecendo até uma menina falando de sua primeira paixão, e é exatamente assim que ela trata a literatura, com paixão, respeito e dedicação....vale muito a pena conferir a indicação...


Água viva, de Clarice Lispector

Água viva, é um longo texto ficcional em forma de monólogo, que foi publicado pela primeira vez em 1973, poucos anos antes da morte da autora, Clarice Lispector. Neste livro, Clarice leva a extremos a insurreição formal e a desestruturação da forma romancesca, criando um gênero híbrico, marcado pela fluidez, pela aparência inacabada e inconclusa, produto da liberdade.
Não existe enredo em Água Viva, prevalecendo a repetição dos mesmos temas e o desfile de imagens multifacetadas, similares ao jogo de variações existente na música. A circularidade está presente desde a primeira até a última frase do livro: não há começo, meio ou fim. Trata-se de um texto para ser muito mais vivido do que lido, no qual a sensibilidade aflora constantemente, em um fluir de experiências vivenciadas de forma intensa. Clarice rompe com o sistema, virando-o pelo avesso, revelando o indizível, o "proibido". Como já citado, a autora promove a desconstrução e a desautomatização da linguagem, ao decompor e desmontar o próprio sistema de escrita, para tentar se libertar da náusea de viver, através da palavra expressa em neologismos, de construções inovadoras, da busca pelo sentido perfeito e por um equilíbrio entre forma e conteúdo, promovendo a exaltação do ser interior, do sujeito superfragmentado e da passagem da crise psicológica à angústia metafísica.
Clarice estabelece uma forte relação entre a pintura e a literatura: é como se ela precisasse captar o presenta ultrapassando os limites da linguagem. A personagem é uma pintora que escreve a alguém e fala constantemente de pintura, fazendo com que a respiração de um traço ou de uma pincelada estejam concretamente na obra, marcas físicas de um trabalho. A música vibra também por trás de seu texto. Há um cansaço em relação à palavra, essa palavra que nunca a satisfaz.
Nesta obra, bem como em Um sopro de vida, Clarice Lispector oferece-nos textos que se fazem próximos da experiência com o corpo, da concretude do mundo. As reflexões partem sempre daquilo que está sendo vivido.
Traz uma linguagem que não se perde no tempo; ao contrário, é ricamente metafórica, em que coisas, ações e emoções do dia-a-dia se transformam em grandiosas digressões indagadoras sobre o sentido da existência e da vida. Seguindo a linha de características introspectivas de seus livros, Clarice cria, em Água viva, uma obra singular, verdadeiro relato íntimo que projeta em flashes, como num caleidoscópio, verdadeiros resumos de estados de espírito em tom de confidência, onde a subjetividade sobrepuja o factual e a narradora é responsável pela cadência do texto.
O tema da obra é o instante, seu tema de vida. Como num exercício profundo, fala da tentativa de captar a quarta dimensão do "instante-já", que de tão fugidio não o é mais porque agora tornou-se um novo instante-já, que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. O que se fala, nunca é o que se fala, e sim outra coisa. Gira em torno de nascimento, amor, liberdade, solidão, espelho, vida secreta, prece, escuridão, morte.
Em Água Viva os temas nascem e se repetem num jogo de variações e fuga análoga ao da música. Assim como a música nada mais é do que uma moldura para o silêncio, uma maneira de tornar perceptível a ausência do som, o texto de Água Viva é um longo adágio, um andamento lento e contínuo para além das fronteiras da palavra:

1 comentário:

  1. Querido amigo...
    Estou emocionada com suas palavras, realmente a literatura é uma das minhas paixões. Obrigada pelo carinho!

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